Este post inclui os vídeos de "Life Ain't Enough for You" e de "Radio & TV Blues".
Femina, o trabalho que Paulo Furtado, aka Legendary Tigerman, concebeu como tributo às mulheres e desenvolveu em estreita parceria com um conjunto de artistas femininas (principalmente da música, mas também do cinema e do teatro) ultrapassou as expectativas em termos de popularidade e de vendas, tendo entrado directamente para o 3ª lugar do top nacional em Outubro passado. Foi considerado pela Blitz o melhor álbum nacional de 2009.
Femina é uma composição estética densa, complexa e multifacetada em termos da sua construção e dos significados de que está investida, fruto do processo criativo que lhe deu origem, das múltiplas colaborações/parcerias que lhe deram corpo, e da própria personalidade e talento do(s) seu(s) autor(es). Dizer algo que pudesse fazer-lhe jus implicava um processo demorado de reflexão e de escrita, sobre o álbum (já esquecendo o DVD) e sobre um conjunto de questões, por exemplo sobre representação do universo feminino nas artes...
É fácil perceber porque é o álbum atingiu este (em certa medida) inesperado nível de popularidade. Por várias razões decerto, mas desde logo pelo seu conceito, pelo facto de ser uma homenagem que um homem faz às mulheres, não se limitando a escrever para elas ou a cantar sobre elas (o modelo historicamente dominante) mas com elas, como iguais. Um homem claramente atraído pela mulher emancipada, complexa, simultânea e intrínsecamente anjo e demónio, good girl e bad girl (categorias que mistura e subverte). Um homem fascinado por um universo feminino que concebe (e mistifica?) como incrivelmente mais complexo do que o universo masculino que ele parece ver como descomplicado ou até simplista:
"Sem entrar em considerações mais radicais, do género "os gajos são todos iguais e as gajas são todas iguais", acho que há coisas francamente mais femininas. Quanto mais não seja, a complexidade que tudo pode atingir. Normalmente, um homem olha para uma parede preta e vê uma parede preta, uma mulher vê dez demãos de cinzento." (Paulo Furtado in Ípsilon 25.09.2009)
http://ipsilon.publico.pt/musica/texto.aspx?id=241425 )
Será que é assim? Não será este trabalho a prova do contrário?
Em termos de sonoridade é um álbum de que se gosta facilmente... doce, envolvente e insidioso, 'aconchegante' ("snug as a bug in a rug"). A abordagem da complexidade do universo feminino encontra-se também a este nível, sendo visível o contraste entre a doçura e acalmia de canções como "Life ain't enough for you" ou "Lonesome town" e a energia de "Radio & tv blues" ou "The saddest thing to say", a irreverência e inquietação existencial da brilhante "My stomach is the most violent of all of Italy", e a manifesta tensão sexual de "She's a hellcat", "Light me up twice" ou "Then came the pain".
Igualmente potente é a fotografia icónica da capa do disco, em que o célebre fotógrafo de moda francês Jean-Baptiste Mondino imortaliza a imagem de um muito masculino Furtado cuja tentativa de aproximação ao universo feminino não consegue ir além do plano superficial da aparência (do make-up). É o reconhecimento da separação irreconciliável de dois universos (o feminino e o masculino) que se podem aproximar (e interpenetrar), podendo o todo produzido ser melhor do que a soma das partes, mas nunca fundir-se...
Na minha opinião, em termos conceptuais, a verdadeira essência de Femina não é a homenagem às mulheres mas a celebração do encontro e das aproximações possíveis entre os universos feminino e masculino, diferentes, ambos complexos e multifacetados, e a evidência dos frutos que daí podem resultar.
Não sendo os meus preferidos, aqui ficam dois temas que exemplificam as impressões acima registadas.
Legendary Tigerman | Vídeos de Música do MySpace
É fácil perceber porque é o álbum atingiu este (em certa medida) inesperado nível de popularidade. Por várias razões decerto, mas desde logo pelo seu conceito, pelo facto de ser uma homenagem que um homem faz às mulheres, não se limitando a escrever para elas ou a cantar sobre elas (o modelo historicamente dominante) mas com elas, como iguais. Um homem claramente atraído pela mulher emancipada, complexa, simultânea e intrínsecamente anjo e demónio, good girl e bad girl (categorias que mistura e subverte). Um homem fascinado por um universo feminino que concebe (e mistifica?) como incrivelmente mais complexo do que o universo masculino que ele parece ver como descomplicado ou até simplista:
"Sem entrar em considerações mais radicais, do género "os gajos são todos iguais e as gajas são todas iguais", acho que há coisas francamente mais femininas. Quanto mais não seja, a complexidade que tudo pode atingir. Normalmente, um homem olha para uma parede preta e vê uma parede preta, uma mulher vê dez demãos de cinzento." (Paulo Furtado in Ípsilon 25.09.2009)
http://ipsilon.publico.pt/musica/texto.aspx?id=241425 )
Será que é assim? Não será este trabalho a prova do contrário?
Em termos de sonoridade é um álbum de que se gosta facilmente... doce, envolvente e insidioso, 'aconchegante' ("snug as a bug in a rug"). A abordagem da complexidade do universo feminino encontra-se também a este nível, sendo visível o contraste entre a doçura e acalmia de canções como "Life ain't enough for you" ou "Lonesome town" e a energia de "Radio & tv blues" ou "The saddest thing to say", a irreverência e inquietação existencial da brilhante "My stomach is the most violent of all of Italy", e a manifesta tensão sexual de "She's a hellcat", "Light me up twice" ou "Then came the pain".
Na minha opinião, em termos conceptuais, a verdadeira essência de Femina não é a homenagem às mulheres mas a celebração do encontro e das aproximações possíveis entre os universos feminino e masculino, diferentes, ambos complexos e multifacetados, e a evidência dos frutos que daí podem resultar.
Não sendo os meus preferidos, aqui ficam dois temas que exemplificam as impressões acima registadas.
Legendary Tigerman | Vídeos de Música do MySpace