O fecho da esmagadora maioria das superfícies comerciais ontem, 1 de Maio, feriado nacional, Dia Internacional do Trabalhador, e do Street War Fest 5, um evento musical gratuito, na Academia Recreativa de Linda-a-Velha, motivaram a reflexão que se segue e que, pela sua extensão, será dividida em dois posts, um mais ‘teórico’ sobre o dia 1 de Maio e sobre a individualização e comercialização do lazer, e outro mais ‘ligeiro’, com algumas notas e fotos do Street War Fest.
Tal como vários analistas sociais/culturais contemporâneos têm enfatizado, uma das características do “hipercapitalismo” (Lipovetski e Serroy 2008) actual é a transformação de quase todas as esferas das nossas existências em momentos e produtos de consumo. As horas de sono e de trabalho (para aqueles que ainda têm emprego…) são hoje quase o último reduto não invadido pelo capitalismo alienante, predador e destrutivo.
Num livro fascinante e muito esclarecedor, The Leisure Society (A Sociedade do Lazer), Jeremy Seabrook analisa a tomada do lazer pelo mercantilismo (hiper)capitalista (uma redundância, eu sei), de tal modo que a inactividade – o não se fazer nada – se tornou quase uma blasfémia.
De igual modo, os ‘antigos’ e tradicionais passatempos, especialmente aqueles que não implicam consumo, têm sido ideológica e persistentemente descredibilizados, rotulados de antiquados ou desinteressantes( muitos já não existem mesmo).
Que percentagem da população vai hoje para os jardins ou parques públicos nos seus tempos livres, por exemplo, em detrimento dos famigerados centros ou “guetos” comerciais (como acertadamente lhes chamam os Peste & Sida)?
Mesmo certos hobbies, como por exemplo os desportos, foram institucionalizados e ‘profissionalizados’ (ou melhor, comoditizados), de tal forma que hoje qualquer prática desportiva implica o dispêndio de uma quantia variável de dinheiro, quer na compra da indumentária da moda (que está sempre a mudar), quer da ‘tecnologia’ mais recente e completa: a título de exemplo veja-se o aumento do espaço dedicado a artigos de caça e pesca nos hipermercados ou do número de lojas especializadas nas mais variadas áreas do lazer (não apenas desportivo).
Outra tendência visível é a da individualização do lazer: enquanto que até há algumas décadas atrás os tempos livres eram ocupados com actividades colectivas, hoje eles são preenchidos com actividades de consumo, onde a companhia se torna uma distracção incómoda do objectivo principal: comprar algo supérfluo ilusoriamente considerado imprescindível.
E por isso mesmo, o Dia do Trabalhador, anteriormente celebrado (mais) massivamente na rua, colectivamente, e com um cariz eminentemente político, foi ontem para muita gente motivo de grande desorientação, perante a impossibilidade do consumo. Como privação de uma qualquer dependência, ela foi prontamente compensada logo que possível, ou seja, hoje, com uma acorrência sôfrega e doentia ao templo de consumo mais próximo.
Raymond Williams, um grande teórico marxista britânico, diz que “a história nos ensina a maior parte do passado conhecível e a do futuro imaginável”. Talvez valha a pena, mesmo já findo mais este dia histórico, lembrar a origem do Dia Internacional do Trabalhador: nomeadamente o chamado Massacre de Haymarket, em Chicago, 1886, quando a polícia disparou e matou vários trabalhadores que participavam numa greve geral em defesa das 8 horas de trabalho por dia! É a este grupo de homens comuns, cujos nomes desconhecemos, porque deles “não reza a história”, que devemos algumas das nossas preciosas horas de lazer diário!
Numa altura em que muitos trabalhadores são ‘obrigados’ a trabalhar mais do que as 8 horas diárias, muitas vezes sem pausas, e sem a devida remuneração, sob a ameaça de perderem o posto de trabalho “que muitos queriam ter”, talvez valha a pena retirar algumas lições da história que nos permitam imaginar (e pensar em lutar conjuntamente por) um futuro melhor para a maioria.
Continua...
(Nota: Para ouvir e ver "Cidade Veneno" escolher a faixa 5 da lista que surge no menu "tracks" do vídeo deste concerto dos Peste & Sida, realizado no In Live Caffé - Moita).
Tal como vários analistas sociais/culturais contemporâneos têm enfatizado, uma das características do “hipercapitalismo” (Lipovetski e Serroy 2008) actual é a transformação de quase todas as esferas das nossas existências em momentos e produtos de consumo. As horas de sono e de trabalho (para aqueles que ainda têm emprego…) são hoje quase o último reduto não invadido pelo capitalismo alienante, predador e destrutivo.
Num livro fascinante e muito esclarecedor, The Leisure Society (A Sociedade do Lazer), Jeremy Seabrook analisa a tomada do lazer pelo mercantilismo (hiper)capitalista (uma redundância, eu sei), de tal modo que a inactividade – o não se fazer nada – se tornou quase uma blasfémia.
De igual modo, os ‘antigos’ e tradicionais passatempos, especialmente aqueles que não implicam consumo, têm sido ideológica e persistentemente descredibilizados, rotulados de antiquados ou desinteressantes( muitos já não existem mesmo).
Que percentagem da população vai hoje para os jardins ou parques públicos nos seus tempos livres, por exemplo, em detrimento dos famigerados centros ou “guetos” comerciais (como acertadamente lhes chamam os Peste & Sida)?
Mesmo certos hobbies, como por exemplo os desportos, foram institucionalizados e ‘profissionalizados’ (ou melhor, comoditizados), de tal forma que hoje qualquer prática desportiva implica o dispêndio de uma quantia variável de dinheiro, quer na compra da indumentária da moda (que está sempre a mudar), quer da ‘tecnologia’ mais recente e completa: a título de exemplo veja-se o aumento do espaço dedicado a artigos de caça e pesca nos hipermercados ou do número de lojas especializadas nas mais variadas áreas do lazer (não apenas desportivo).
Outra tendência visível é a da individualização do lazer: enquanto que até há algumas décadas atrás os tempos livres eram ocupados com actividades colectivas, hoje eles são preenchidos com actividades de consumo, onde a companhia se torna uma distracção incómoda do objectivo principal: comprar algo supérfluo ilusoriamente considerado imprescindível.
E por isso mesmo, o Dia do Trabalhador, anteriormente celebrado (mais) massivamente na rua, colectivamente, e com um cariz eminentemente político, foi ontem para muita gente motivo de grande desorientação, perante a impossibilidade do consumo. Como privação de uma qualquer dependência, ela foi prontamente compensada logo que possível, ou seja, hoje, com uma acorrência sôfrega e doentia ao templo de consumo mais próximo.
Raymond Williams, um grande teórico marxista britânico, diz que “a história nos ensina a maior parte do passado conhecível e a do futuro imaginável”. Talvez valha a pena, mesmo já findo mais este dia histórico, lembrar a origem do Dia Internacional do Trabalhador: nomeadamente o chamado Massacre de Haymarket, em Chicago, 1886, quando a polícia disparou e matou vários trabalhadores que participavam numa greve geral em defesa das 8 horas de trabalho por dia! É a este grupo de homens comuns, cujos nomes desconhecemos, porque deles “não reza a história”, que devemos algumas das nossas preciosas horas de lazer diário!
Numa altura em que muitos trabalhadores são ‘obrigados’ a trabalhar mais do que as 8 horas diárias, muitas vezes sem pausas, e sem a devida remuneração, sob a ameaça de perderem o posto de trabalho “que muitos queriam ter”, talvez valha a pena retirar algumas lições da história que nos permitam imaginar (e pensar em lutar conjuntamente por) um futuro melhor para a maioria.
Continua...
(Nota: Para ouvir e ver "Cidade Veneno" escolher a faixa 5 da lista que surge no menu "tracks" do vídeo deste concerto dos Peste & Sida, realizado no In Live Caffé - Moita).
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