25 maio 2010

Há festivais e Festivais...

Este post inclui os cartazes dos festivais musicais Infected Fest 2 (29 e 30 de Maio) e Festival Outsider 3 (10 e 19 de Junho), e o vídeo de "Queremos a Música de Volta" dos Gazua.

Os festivais de música têm sido objecto de tratamento na imprensa escrita recente, nacional e não só. Por exemplo, a revista Ípsilon de 14/05 e um artigo do The Guardian de 20/05  incluíam um "guia" para os múltiplos festivais musicais agendados para quase toda a silly season. A Y foca os festivais mais mainstream, o artigo do Guardian incide sobre alguns dos mais alternativos, originais e/ou menos institucionalizados...

Este interesse dos media (não só dos jornais) não é de estranhar, dado que a música (especialmente a dita pop e rock, e especialmente anglo-saxónica), e os respectivos eventos musicais se tornaram nos últimos anos um dos produtos de consumo mais agressivamente promovidos pelo mercado, e decerto um dos mais bem sucedidos, no que concerne aos lucros que proporciona à minoria  (afluente) que os produz, vende e operacionaliza.

Ao longo deste processo, a música tem vindo a tornar-se, cada vez mais,  um motivo meramente acessório, ou o pretexto ideal, para o consumo do produto-experiência festival.

A ida a festivais (ou em termos genéricos) a eventos musicais detém um estatuto equivalente ao de umas calças ou umas sapatilhas de marca, e é mais um complemento à casa  (nova ou renovada) numa zona in, ou ao carro novo, se possível de alta cilindrada e de uma marca (mais ou menos) exclusiva...

Ou seja: na sociedade de consumo, em que as pessoas constroem a sua identidade através do que têm e não do que são, ir a festivais, tal como possuir ou exibir determinados bens de consumo, é um indicador de integração e sucesso social. O slogan já gasto do Rock in Rio, orgulhosamente estampado nas T-shirts, é inequívoco: "Eu vou", ou eu fui, eu estive lá, eu sou in...

Só assim se compreende que num país onde o desemprego não pára de subir, onde os vencimentos são baixos, e o custo de vida elevado, cerca de 80,000 pessoas (e decerto não apenas de um segmento economicamente afluente da população) tenham participado no 1º dia do Rock in Rio (independentemente da qualidade -muito discutível aliás - do cartaz).

Num livro muito interessante sobre o consumismo actual, intitulado Consuming Life, Zygmunt Bauman distingue entre duas formas diferentes de convívio: anteriormente, na sociedade dos produtores (ou na época da "modernidade sólida", até há algumas décadas), havia o grupo: as pessoas reuniam-se com pessoas que conheciam, com as quais se identificavam, por via de laços familiares, profissionais, de amizade ou de interesses específicos.

Agora, na sociedade dos consumidores (modernidade líquida) há o enxame: as pessoas reúnem-se com pessoas que não conhecem, com as quais apenas partilham uma proximidade física, em eventos fugazes, sem que se estabeleça qualquer tipo de relação, de laço...De acordo com Bauman, a sociedade de consumo favorece o fim do grupo, da comunalidade, em detrimento do enxame (que fornece, ainda que fortuitamente, "a segurança dos números")...

E é por isso que há festivais de música (de que o Rock in Rio é um exemplo paradigmático)que são autênticos parques temáticos, cujo verdadeiro e principal fim e produto é a compra per se, ou seja,  o consumo (extremamente lucrativo) do merchandising, da fast food, da cerveja a preço de metal precioso, dos desportos pseudo-radicais, de um sem número de  futilidades que servem primordialmente os interesses dominantes do capitalismo, ou seja, o rechear ainda mais dos bolsos de alguns (quase sempre os mesmos).

Mas não tem de ser assim. O mundo não é assim,  não é só isso. Há eventos musicais onde o grupo ainda não deu lugar ao enxame. Ainda há festivais de música onde o principal  ingrediente e propósito, tanto de quem os organiza como de quem os frequenta, não é o lucro fácil e escandaloso, nem o pontinho na caderneta do sucesso e da pertença social, mas a MÚSICA. A oferta é considerável. É apenas preciso estar atento e fazer escolhas.

Ficam os  exemplos de 2 festivais de música que ocorrerão em breve,  que provavelmente não serão publicitados nos media, nem terão multidões, muito menos lucros assinaláveis, mas onde haverá decerto muita (e boa)  música, eminentemente nacional, a um preço acessível a todos, e um espírito palpável...de grupo.

Fica também o vídeo de "Queremos a Música de Volta", um dos (muitos) temas fortes de Música Pirata (2009) dos Gazua, já em contagem decrescente para o lançamento do novo trabalho, Contracultura, agendado para o próximo dia 18 de Junho no Cinema São Jorge, em Lisboa.





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