Tudo na vida pode ser visto de várias perspectivas. E? ...bem, e o mais interessante é que, dependendo do prisma pelo qual - mais consciente ou inconscientemente - escolhemos ver, ler ou interpretar determinado acontecimento das nossas vidas ou do nosso quotidiano, esse acontecimento pode ter leituras ou significados completamente díspares, numa ordem de valor que vai do insignificante ao relevante ou mesmo ao extraordinário.
Neste contexto, de uma certa perspectiva, o concerto de ontem dos Tara Perdida em Sobral da Adiça foi igual a tantos outros...o mesmo alinhamento, casa cheia, com os fãs mais acérrimos - maioritariamente jovens - nas filas da frente, envergando orgulhosamente a sua t-shirt 'Tara Perdida', com as letras na ponta da língua, e uma participação activa do primeiro ao último minuto, seguida da espera em fila para uns minutos de interacção mais próxima com os músicos e o incontornável autógrafo (ou fotografia).
Em consonância com o estatuto que detêm, as actuações dos Tara Perdida resultam de uma engrenagem profissional, estudada e muito bem preparada, e do trabalho de uma equipa considerável de experientes profissionais do ramo, cujo esforço conjunto resulta num espectáculo globalmente bem conseguido, muito satisfatório, e de elevado nível. Essa fórmula de sucesso repetiu-se também, mais uma vez, em Sobral da Adiça.
Mas não há momentos repetíveis, nem locais exactamente iguais, por isso há sempre algo de único em cada momento, acontecimento ou situação das nossas vidas, por mais quotidiana ou comezinha que seja. E desta outra perspectiva, muito houve de diferente, e de absolutamente irrepetível, no concerto de ontem.
Para começar, o local do espectáculo: o largo da igreja de uma aldeia do interior de Portugal, festivamente iluminado e decorado para acolher um dos principais acontecimentos do ano: as festas em honra da santa padroeira, Nossa Senhora do Ó. Enquanto o duo musical Inovação interpretava temas conhecidos da música ligeira portuguesa, muitos rumavam à igreja enfeitada para uma breve visita à curiosa imagem da santa que, em adiantado estado de gravidez, repousa protectoramente as mãos sobre o ventre saliente. Uma rápida espreitadela à Wikipédia elucidou-nos melhor sobre o assunto.
O cenário ficava completo com as tradicionais bancas de algodão doce, balões e pinhoada, para além das tradicionais barraquinhas da cerveja, especialmente necessárias numa noite em que a temperatura rondava os 30 graus centígrados...
O largo foi-se enchendo, à medida que se aproximava a hora do espectáculo dos Tara...para além dos jovens da terra, muitos tinham vindo também de fora, chegando aos poucos em carro próprio ou, como testemunhámos, mesmo de táxi. Tendo em conta o cariz do evento em que o espectáculo se inseria, o público era o mais heterogéneo possível. Nas primeiras filas, junto aos fãs adolescentes, encontravam-se também algumas anciãs locais, cómodamente instaladas nas suas cadeiras de plástico.
Não obstante o que já se disse acima, a propósito do que, em certa medida, é o "padrão" dos concertos dos TP, há alguns factos, momentos e nuances que podemos destacar neste espectáculo em particular.
Em primeiro lugar, o facto de Ribas ter dedicado o segundo tema interpretado - "Sentimento Ingénuo" - a um amigo recentemente falecido. Trata-se de Fernando Serpa, seu amigo de infância e baixista da primeira banda que integrou, os Kú de Judas, activos entre 1983 e 1987. Em resposta ao pedido de Ribas, o público - e todos os membros dos Tara Perdida: Ruka, Jaime, Kystos e Ganso - aplaudiram em massa o seu malogrado amigo, num momento intimista e marcado por grande emotividade.
Todo o concerto foi de resto marcado por uma atmosfera de visível boa disposição e de grande cumplicidade entre os membros da banda, aspectos intangíveis mas que reverberaram e foram captados indelevelmente pela assistência, levando-a a corresponder em consonância. O pedido "E salta Tara, salta Tara", entoado em uníssono pelo público e prontamente acolhido pela banda, seguido do pedido inverso (desta feita da banda ao público), e a imagem impressionante de um largo cheio de gente, de todas as idades, a saltar em simultâneo, constituiram alguns dos momentos de facto irrepetíveis e memoráveis deste concerto.
Fica aquele que será talvez o tema dos Tara Perdida favorito da autora deste blog, com letra de Fernando Serpa, a quem se presta também aqui e desta forma uma singela homenagem.
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