17 outubro 2010

Flashback: Festival Outsider 2


Cartaz do Festival Outsider II (17 e 24 de Outubro de 2009)


Apesar de datas não serem o meu forte (como atestam os muitos aniversários de me esqueço embaraçosamente ano após ano), os concertos tendem a ser uma excepção inexplicável, ficando teimosamente gravados na minha (de resto péssima) memória...

É o caso da 2ª edição do Festival Outsider, que aconteceu há precisamente 1 ano e que, por vários motivos, recordo com particular agrado. Um desses motivos é o facto de este festival  ter motivado a criação do blogue A Crack in the Cloud.

Não será com certeza desconhecida, para muitos, a experiência de ir a mais um concerto, quase por acaso e sem quaisquer expectativas, e desse concerto se tornar inesperadamente memorável, fruto de uma conjugação imprevisível de elementos materiais e intangíveis, tais como o espaço, a iluminação, a atmosfera/as pessoas, as bandas, ou até mesmo a nossa própria predisposição naquele dia específico...

O Festival Outsider II constituiu um exemplo deste tipo de experiência, e continua a estar no top dos meus concertos favoritos. Foi de facto uma experiência intensa e diferente que despertou o desejo - e a necessidade - previamente desconhecidos de registar (e de comunicar) as minhas impressões pessoais, algo quase   ridículo tendo em consideração os meus nulos conhecimentos musicais.

Assim nasceu, num ímpeto, este espaço despretensioso e perfeitamente dispensável a que - também sem qualquer planeamento ou reflexão - se chamou A Crack in the Cloud. Um espaço cujo fim se vai adiando, semana após semana, unicamente pelo receio de surgir um acontecimento musical que, apesar de relevante, não tenha entrada nem lugar nos media convencionais, e que fique (pelo menos aqui) registado.

Fica então, na íntegra, o texto que resultou dessa experiência memorável do primeiro dia do Festival Outsider II, e que deu origem a este blogue, mas que na altura não foi colocado aqui, por ter sido publicado num jornal local.

Fica também o link para o texto do 2º dia do festival, que foi já objecto de um post neste blogue.

Ficam ainda vídeos de algumas das bandas que actuaram neste 1º dia, tratando-se, no caso de uma delas, de imagens captadas nesse mesmo festival.

"Festival Outsider II: O Punk Português está vivo, de boa saúde…e recomenda-se!

A provar que a herança da cultura punk está viva e pujante na cena musical underground portuguesa decorreu no passado sábado 17 de Outubro na Caixa Económica Operária, em Lisboa, a 2ª edição (1ª parte) do Festival Outsider, evento organizado pela fanzine de punk rock com o mesmo nome. Esta publicação, que já vai na sua 16ª edição, tem como principal objectivo divulgar “concertos, bandas e artes (…) muitas vezes marginalizadas pelos grandes meios de informação nacional” e conta com a colaboração de nomes consagrados do punk português da actualidade, como João Ribas dos Tara Perdida (também subdirector da revista) e João Pedro Almendra dos Peste e Sida.

Abraçando o ideário punk original, a Outsider assume-se como completamente D.I. Y. (“do it yourself”/“Faça você mesmo”) e apresenta uma qualidade surpreendente, não só a nível gráfico e visual como em termos de conteúdo, organização e escrita, revelando o empenho e profissionalismo dos seus redactores. A última edição da revista inclui, entre outras coisas, um artigo dedicado ao programa musical da Festa do Avante e uma crítica bastante elogiosa ao novo álbum da inovadora banda bejense de Metal Ho-Chi-Minh :“It Has Begun”.

Nesta primeira parte da 2ª edição do Festival a Outsider cumpriu inegavelmente os seus principais objectivos, proporcionando a um conjunto de músicos portugueses a divulgação do seu trabalho e a partilha do seu talento e criatividade com um público entusiástico, ainda que relativamente restrito. Os primeiros a actuar foram os X-Katedra, uma jovem banda lisboeta com vincadas influências de Censurados e Tara Perdida e letras reveladoras de uma fina crítica social e política, abordando temas tão clássicos do punk mas simultaneamente tão actuais como a pobreza, o individualismo e a solidão, a manipulação e desinformação dos media, mas também o apelo à acção individual como contributo necessário à transformação e melhoria sociais.



Seguiram-se-lhes os animados R12, provenientes de Glória do Ribatejo, com o seu “punk agricultor” e diversos temas do seu primeiro trabalho “Boletim Agrário”, eleito o melhor álbum de punk rock em 2008 no conceituado blogue Billy-News. Mais uma vez estiveram bem patentes a consciência e a crítica sociais e políticas, por exemplo na relação estabelecida entre a subsídiodependência da UE e o declínio da agricultura regional (e nacional?) no tema “Punk agricultor”.


O público, em número crescente à medida que o serão avançava, e já bastante acalorado com a actuação contagiante dos R12, rendeu-se ao humor hilariante dos Boca Doce e das suas versões rock/punk rock de temas consagrados da música popular portuguesa. Vestidos a rigor, num estilo reminiscente de artistas como Marco Paulo ou Tony Silva (a persona de Herman José) – que o vocalista José Clementino, com um postiço de fartos caracóis, camisa de folhos e sapatos tigresse evocava na perfeição – os Boca Doce levaram o público ao rubro.



A noite terminou em delírio com a actuação explosiva dos satíricos Kalashnikov, a banda de War Metal do brilhante humorista Jel/Nuno Duarte (Homens da Luta, Vai tudo a Baixo, Revolta dos Pastéis de Nata).

Em conclusão: uma noite animada e culturalmente enriquecedora, a um preço módico, num local emblemático da luta e da cultura operárias, com um evento musical de qualidade e que agradou a um público muito heterogéneo, bem-disposto e participativo, que contribuiu para um ambiente descontraído e amistoso. Surpreendeu não só a qualidade de músicos jovens como o acutilante espírito crítico, de resistência e rejeição do mainstream por parte de uma facção juvenil que é esclarecida, atenta e que perspectiva com clareza a sociedade em que vive.

Digna de menção é ainda a dedicação dos organizadores (entre os quais João Ribas e DJ Billy) que, protagonizando mais uma vez o velho espírito punk D.I.Y., não tiveram mãos a medir. Com modéstia, naturalidade e um espírito de missão próprio de quem persegue um ideal, estiveram permanentemente envolvidos no apoio às bandas e nas inúmeras tarefas organizativas que caracterizam este tipo de evento – sem dúvida um preço menor a pagar pela recusa do circuito e da lógica comerciais, outra característica da ética punk, patente em bandas como The Clash. Resta-nos aguardar com expectativa e entusiasmo a 2ª parte desta festa da cena musical alternativa, marcada para o próximo dia 24 no mesmo local."

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