28 março 2010

"Selling out"

Este post inclui o vídeo do anúncio da marca de lingerie Victoria's Secret, com a participação de Bob Dylan.

"Selling out"; "Sellouts": palavras irritantemente persistentes no contexto musical (entre outros).

Porquê irritantes?...Bem, porque na maioria dos casos vejo-as cuspidas com demasiada facilidade e injustiça, naquela atitude tão fácil mas tão hipócrita da crítica negativa e por vezes invejosa...

"To sell out", ou "vender-se": no âmbito político (comunista/anarquista), a expressão designa  a traição a princípios e ética operários e a rendição ao ethos capitalista.

Muito comum no mundo da música, a expressão tem frequentemente implícita esta acepção política, sendo normalmente utilizada  para acusar os músicos e os artistas de comprometerem a sua integridade musical, por exemplo ao enveredarem por estilos mais "comerciais" ou, pecado capital, assinarem com grandes editoras/agências.

Pessoalmente, considero que, na maioria dos casos, estas acusações são lamentáveis e só servem a causa dominante contra a qual pretendem insurgir-se, impedindo a mudança, a evolução e, no contexto musical, a afirmação da boa música dita 'alternativa', e (logo), de uma cultura musical mais abrangente, enriquecedora e variada.

No âmbito político-social, julgo que aspirações como viver com conforto, circular num automóvel seguro, ou optar por uma alimentação mais cara mas mais saudável, adquirir bens culturais, através do consumo de livros, filmes, espectáculos ou viagens, são perfeitamente normais, legítimas, e que deveriam ser acessíveis a todos, de forma igual. É essa a grande causa que nos deveria mobilizar e unir.

No âmbito musical, não me parece que querer singrar, levar a música a um público mais alargado e aspirar a boas condições de trabalho seja sinal de traição, mas de eficiência e profissionalismo.

Mas não há vendidos? Infelizmente sim. Para mim, os U2 são disso um exemplo recente paradigmático. A um ano de actuarem em Portugal, já tinham especulativamente vendido todos os bilhetes, utilizando ainda a sua popularidade para levarem os fãs mais acérrimos a registar-se no site da tournée (como "fãs") e pagar 50 dólares para poder tentar adquirir um máximo de 4 bilhetes em pré-venda. Esta conduta enquadra-se perfeitamente na definição de "selling out": é uma traição à integridade profissional,  uma rendição descarada e inescrupulosa ao lucro ganancioso e desonestamente conseguido através da exploração do público.

Como exemplo contrário cite-se o caso dos Tara Perdida, por vezes visados por este tipo de acusação, que estão prestes a comemorar os 15 anos de existência com um concerto numa sala underground e a um preço quase simbólico para o estatuto que a banda indubitavelmente já detém.

Para terminar, deixo as citações de dois músicos actuais de referência, nos contextos nacional e internacional, nomeadamente João Ribas (Tara Perdida) e Tom Morello (Rage Against the Machine), sobre este tema em geral, e  sobre a assinatura de contratos com major labels, em particular.

João Ribas:
"O nosso trabalho é feito na nossa sala de ensaios, sem nenhuns majors lá a meter-nos em sentido e a bater a pala. De maneira nenhuma! Fazemos tudo, apresentamos o trabalho, gravamos, eles ouvem, gostam e 'tá a andar de mota'(...)"

(Trabalhar com 'majors'): "(...) é muito bom para os músicos,  sentimo-nos mais à vontade porque há  pessoal a trabalhar como deve  ser connosco".

(Para ver o vídeo com esta entrevista a João Ribas, clicar aqui.)

Tom Morello:

"Epic agreed to everything we asked--and they've followed through... we never saw a conflict as long as we maintained creative control. When you live in a capitalistic society, the currency of the dissemination of information goes through capitalistic channels. Would Noam Chomsky object to his works being sold at Barnes & Noble? No, because that's where people buy their books. We're not interested in preaching to just the converted. It's great to play abandoned squats run by anarchists, but it's also great to be able to reach people with a revolutionary message, people from Granada Hills to Stuttgart."

(Ver fonte da citação de Tom Morello aqui).

E por fim fica o controverso anúncio publicitário da principal empresa/marca de lingerie feminina americana, Victoria's Secret, que contou com a participação de Bob Dylan. O anúncio causou muita celeuma e a fúria de muitos fãs do cantor...Contudo, no caso do Bob, o dinheiro não parece ter sido a principal motivação...

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