"Isto não é um país, é um espaço de indignidade", afirmava Paulo Nozolino, o internacionalmente reputado fotógrafo português, num artigo publicado no Expresso (Actual) em Janeiro de 2008.
Nozolino teve recentemente mais uma prova inequívoca desta sua acertada convicção: depois de ter sido agraciado com o Prémio 2009 para as Artes Visuais pela Associação Internacional de Críticos de Arte e pelo Ministério da Cultura (um prémio monetário no valor de 10.000 euros), foi-lhe solicitado que preenchesse uma nota de honorários (como se não tivesse recebido um prémio, mas prestado um serviço ao estado português), e que fizesse prova da regularidade da sua situação contributiva e tributária (Segurança Social e Finanças). Foi ainda informado que 10% do valor do prémio seria objecto de dedução fiscal (IRS).
Após ter conhecimento disto, Nozolino devolveu o prémio e insurgiu-se violentamente contra o sucedido:
"Se tivesse sido informado do presente envenenado em que tudo isto consiste não teria aceite passar por esta charada.Nunca, em todos os prémios que recebi, privados ou públicos, no país ou no estrangeiro, senti esta desconfiança e mesquinhez. É a primeira vez que sinto a burocracia e a avidez da parte de quem pretende premiar Arte. Não vou permitir ser aproveitado por um Ministério da Cultura ao qual nunca pedi nada. Recuso a penhora do meu nome e obra com estas perversas condições. Devolvo o diploma à AICA, rejeito o dinheiro do Estado e exijo não constar do historial deste prémio."
(Para ver o comunicado de Nozolino na íntegra clicar aqui).
(Foto: Paulo Nozolino, disponível aqui.)
Há algo de profundamente tragicómico (mais trágico do que cómico, na verdade) em mais este triste e aparentemente surreal (mas muito real) acontecimento da actualidade recente nacional.
Ao ler esta notícia na imprensa, notando o modo fino e sub-reptício como o autor do artigo vai tentando descredibilizar a atitude do fotógrafo, lembro-me e vou procurar, numa gaveta atafulhada de papel, o excelente texto sobre Nozolino, publicada na separata Actual (Expresso) em Janeiro de 2008 (da autoria de Alexandra Carita). O artigo está disponível aqui.
É com interesse que descubro (porque na verdade se o li, já o tinha esquecido) o modo como Nozolino testemunhou a explosão punk na Inglaterra de 1976:
"Londres, Verão de 1976. Inglaterra atravessa um período de pobreza enorme. Durante seis meses, a cidade explode. É a revolução punk. Paulo Nozolino estuda no London College of Printing, ao mesmo tempo que divide casa com Sid Vicious, dos Sex Pistols, entre muitos outros ícones da década. Recorda o concerto dos Ramones, nesse mesmo ano, recorda a euforia de fazer parte da «energia eléctrica que estava no ar». Pára para pensar e conclui que viveu no lugar certo no momento certo e com a idade certa. A experiência marcou-o para a vida inteira. «Foi uma influência que começou por ser postura, transformou-se em atitude e agora faz parte da minha maneira de ser mais intrínseca», conta, sem deixar de frisar o lema da revolução punk: «Foda-se o sistema!»"
O texto levou-me à revisitação possível desse primeiro concerto mítico dos Ramones em Londres, em 4 de Julho de 1976...
Contudo, o 'incidente' recente do prémio atribuído - e rejeitado - por Nozolino, e do que ele significa em termos do modo como o estado português trata os artistas/produtores culturais nacionais (vivos/activos), trouxe-me à memória outro 'incidente', indelevelmente ligado ao tema "Kaga na Cultura" dos saudosos e inesquecíveis Censurados.
Tal como nos contam Augusto Figueira e Renato Conteiro no imperdível livro Censurados Até Morrer!, no início de 1992 a banda tem a oportunidade de representar Portugal no festival Printempts de Bourges (França) e solicita o necessário apoio financeiro à Secretaria de Estado da Cultura (SEC). O SEC recusou este apoio com a desculpa de que "Os Censurados não precisam de apoio, é um projecto que já tem pernas para andar " (p.110), tendo no entanto subsidiado a deslocação dos Madredeus, que também participavam no evento a convite da organização. Tal como Orlando Cohen e João Ribas referem, a partir de então começaram a dedicar a música "Kaga na Cultura" à SEC nos concertos.
Não admira por isso que a cultura continue a ser vista, mesmo para aqueles que teimam em fazer e a ser cultura nestas condições (sem que disso tenham consciência), como um universo distante, bafiento, sensaborão e pouco recomendável...e quem os pode culpar?
"Daqui a 500 anos
Também podes ser cultura
Seres falado por toda a parte
Fazerem-te homenagens
Meia dúzia de doutores
Dizem que foste um génio
Mas a ti já nada te interessa
Porque nessa altura já estás morto"
(Censurados "Kaga na Cultura")
Talvez assim se compreenda a razão pela qual Nozolino pretende que todo o seu trabalho seja queimado após a sua morte, afirmando "A minha história, ou sou eu que a faço ou niguém a fará".
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