No dia em que as perenes músicas dos Ramones ecoarão pelo Alentejo, no âmbito da actuação de CJ (Ramone) na 1ª edição do Festival Alentejo (ver destaques da semana), recorda-se aqui o mítico concerto desta banda no Rainbow Theatre em Londres, no dia 31 de Dezembro de 1977, que deu origem ao álbum com o mesmo nome, editado em 1979.
O álbum, que deveria conter gravações de várias actuações dos Ramones em Inglaterra, acabou por incluir apenas temas deste concerto em particular, que foi considerado um dos melhores de sempre naquele local... no final do espectáculo cerca de 10 filas de assentos terão sido arrancadas e lançadas ao palco, o que nos dá desde logo uma ideia de quão inflamados os corpos e os espíritos dos membros do público estariam depois deste concerto indescritível...
Não podemos também deixar de recordar a excelente e já saudosa (ainda que recente) actuação dos Kamones (banda portuguesa de covers dos Ramones) na 3ª edição do Festival Outsider, e que será objecto do próximo post.
Ficam os vídeos da actuação dos Ramones no Rainbow Theatre, incluídos no DVD It's Alive 1974-1996.
No âmbito da sua coluna regular no jornal britânico The Guardian, intitulada "Jon Savage on Song", este reputado jornalista do movimento e cena punk relembrou recentemente os The Screamers, a banda de synthpunk de Los Angeles, activa entre 1977 e 1981, que não editou nenhum álbum, apesar da sua popularidade e reconhecimento.
Os The Screamers estrearam-se em 28 de Maio de 1977, no dia do aniversário do seu carismático vocalista Tomata Du Plenty, numa festa da revista Slash em Hollywood, com reviews muito positivas:
"Standing in the midst of the frenzied crowd it dawned on me that the Screamers had tremendous potential and truly epitomized everything associated with punk rock." - Bob Taylor, Hollywood Press
No supracitado artigo do The Guardian, Jon Savage, o jornalista e autor do livro England's Dreaming (1991) analisa e contextualiza com detalhe o vídeo "122 Hours of Panic" dos The Screamers, e relembra também a entrevista que fez a esta banda, que classifica como precoce/ inovadora e por isso não devidamente apreciada na altura:
"The Screamers were at the absolute cutting-edge of their time and place. There were other synth-punk groups, such as Suicide, Throbbing Gristle and the Normal, but they were based in New York and Europe, and were moving towards making slightly smoother, electro-pop records. Their nearest equivalent were the fabulously abrasive Metal Urbain from Paris."
Savage enfatiza ainda o papel fulcral que o Youtube desempenha hoje na divulgação de bandas (neste caso há muito extintas), música, videoclips e concertos raros e há muito esquecidos, permitindo uma projecção que algumas destas bandas não conseguiram no seu tempo...
Simpatize-se ou não com John Lydon/Johnny Rotten, a sua capacidade e persistência subversivas não deixam de ser dignas de nota e, em termos pessoais, mesmo de alguma admiração...
Lydon foi entrevistado pelo jornal britânico The Guardian (jornalista Michael Odell)no âmbito do início da tournée dos PIL nos EUA. Uma longa entrevista, disponível na íntegra aqui, e cujo elemento distintivo é precisamente o modo como Lydon insiste em quebrar as mais elementares convenções sociais em cada uma das suas respostas...sempre polémicas, sempre irreverentes, inesperadas e (a maior parte das vezes) hilariantes....com excepção de quando aborda a dor pela perda dos pais, ou a sua dificuldade em lidar com a morte...
Ficam alguns excertos da entrevista.
Subvertendo a ideia (que ele sabe que existirá) de que se "vendeu" ao fazer anúncios publicitários televisivos (como os da manteiga "Countrylife", que se reproduzem abaixo), ele mostra-se enfurecido com a falta de visão de tantas outras marcas (tais como a da cerveja que bebe, ou dos cigarros que fuma) que não vêem o seu potencial:
"I showed what I can do with butter, right?" he says. "Eighty-five percent increase in sales. I'm very proud of them Country Life ads. They were funny and clever and classy like the Toblerone ads I grew up with. But no one's come in for me with anything else. Like … Red Stripe lager! I drink lakes of this stuff. Why haven't I been signed up for something like that? Or Marlboro fags? It amazes me that people don't get the opportunity of me. I sell."
Na verdade, na entrevista John revela que fez os anúncios da Countrylife para financiar a tournée dos PIL, depois daquilo a que chama de "sabotagem industrial" por parte da editora Virgin...
Questão: Sobre se se prepara fisicamente para os concertos:
"Nah! Never. None of that. Sorry. Not a sportsman. Not selling aerobics videos am I? I'm me. People will get me for two-and-a-half hours giving my all. And that's a lot. It's real, it's honest, and I don't need a personal trainer or someone with an oxygen tank at the side of the stage.(...) No, I will not work out for the people. They will accept my frailties. PiL is a rave full of real people with good hearts and minds. Morons will be refunded at the door."
Questão: Se sente falta de Malcolm MacLaren:
"Malcolm McLaren didn't inspire. He took credit for things he didn't do. So fuck him. I'm not great at dealing with death, I have to say. I find death very hard: my mum, my dad, Sid Vicious. I'm not a monster; I feel it and it scares me. One death at a time please is all my heart will bear."
Questão: Dicas de sobrevivência no contexto da recessão actual:
"Move to Italy. I mean it: they know about living in debt, they don't care. I stayed out there for five months while I was making a film called Order Of Death and they've really got it sussed. Nice cars. Sharp suits. Great food. Stroll into work at 10. Lunch from 12 till three. Leave work at five. That's living! Their fascist and communist regimes come and go but they don't really mind as long as the football team plays well and they've got Leonardo Da Vinci hanging in the gallery. It's amazing! You know we've made it so hard for ourselves living on that rain-soaked rock. We're in the EU, we have freedom of movement around the continent! I'm surprised that there isn't 60 million people at Dover making their way south to the boot-shaped promised land!"
Sobre o facto de Lady Gaga o ter apelidado de "awesome rebel":
"Did she? Did she really? I like that a lot. Oh, she's marvellous and I'm glad she has knowledge of my doings. I'm a sucker for a little bit of respect. But yes, I think Paparazzi was one of the best things last year. She's comic and clever.(...)"
Questão: Se já tem um iPAD:
"Is that what you put on your face when someone punches you in the face? We used a steak in my day ... hur hur. No, I do not have an iPad. Don't be ridiculous. Don't get me wrong: I embrace the internet up to a point. I maintain johnlydon.com as a fortress of truth against lies and viciousness and innuendo. It's the only way to keep the liars at bay. But I'm not so cosy with the internet that I need to carry it around on a thing that looks like a slice of toast. No way."
Aqui ficam então os anúncios publicitários "Johnny says Countrylife tastes the best":
Com o design apelativo e a abundância e diversidade de conteúdos a que já nos habituou, já está disponível a edição nº 25 desta excelente fanzine de punk rock, que pode ser adquirida em vários locais na zona da Grande Lisboa, assim como em Beja, na Associação de Estudantes da ESEB e, a partir deste mês, também no quiosque "Susana", em frente à estação rodoviária.
Aqui fica o outline e excertos das várias colunas deste número, avançadas ao A Crack in the Cloud pela redacção da OTS.
Entrevista à equipa da Outsider
Por Hugo Rebelo
"Não se perde o espírito underground quando o conteúdo é o mesmo e pretende, apenas, fazer chegar a mensagem a mais gente"
Reportagem do Rock in Rio '10 Por Catarina Ramalheira
"Sinto que o assustei um bocado [Danny, McFly], porque quando ele me perguntou se estava muita gente no público eu respondi que nem por isso. O que não se veio a comprovar..."
Reportagem do Festival Outsider 3 Por Frederico Relha
"Terminada a actuação dos Mordaça, a sala enche a sério para relembrarvelhos tempos para uns; Para outros apenas a oportunidade de terem uma noção do que foram os Censurados."
Crítica a Contracultura, Gazua Por Bruno Mota
"Gazua em contracultura ataca-nos logo com um rock simples e bem tocado, com 'A Mudança Que Queres Ver', e aí nesse tema podemos presenciar uma composição minimalista, simples, mas mais que eficiente, com uma bridge bastante sentida, apostando em letras que dão força às pessoas que tanto medo têm de mudar."
Crítica a Trans-Continental Hustle, Gogol Bordello Por Bruno Mota
"... Uma mistura de música cigana do Leste Europeu, com gigantes influèncias de músicas Folclóricas Eslavas e Punk Rock; Para além do novo tipo de sonoridade, Gogol pegou em performances teatrais e danças e juntou aos seus espectáculos, dando ao público um leque de opções festivas em palco."
Uma Visita A... The Skrotes Por Bárbara Sequeira
"Micael explicou ainda que o feeling é o mesmo, estar em cima do palco é como estar num ensaio, só que num espaço maior. Estão ali a fazer o que gostam 'tocar rápido e mal', ' hey! Já tocamos quase bem!' todos se riram. Pedro contou que, no início, tocavam um punk mais lento, até que alguém comentou 'Tocávamos lento porque não sabíamos tocar rápido!' ".
Artigo sobre o Straight Edge Por Bárbara Sequeira
"... Avançando em direcção aos inícios do novo milénio, a cena hardcore começa a perder força, e acabam os tempos áureos do straight edge. Surgem novos sub-géneros que não souberam lidar com as suas diferenças e a própria sub-cultura começou-se a atacar a si mesma."
Crónicas Ots
Porque a Vida não é so Futebol Por Hugo Rebelo
FANZINE
" A massificação da cultura nem sempre é em prol das massas e nem sempre as massas têm uma personalidade, mas os fanzines têm uma história própria e peculiar para contar, um universo ainda por descobrir e interessante de conhecer."
O Canto do Anymal Por Rafael Rodrigues
VIVA PORTUGAL!
"Amanha é o grande dia! Vamos ter perto de nós, povo farense, o grande senhor presidente Cavaquinho! [...] Até aqui tudo ok, mas cortaram o trânsito na única entrada da capital algarvia. [...] Fui obrigado a almoçar e jantar na baixa de Faro (fast-food rock e faz bem à saúde... da economia nacional!) e ainda tive o prazer de pagar o estacionamento público!"
Dreno Sociohumano Por Bigi
A CRISE!!!
" Ou seja, nós (sociedades industrializadas) temos de manter o monopólio da produção de bens e serviços e, ao mesmo tempo, permitir algum desenvolvimento aos mais pequenos para que eles possam atingir um poder económico que lhes permita consurmir esses mesmo produtos que vendemos; Mas isto sem que se desenvolvam de mais!"
Billy News Por Billy ( Resumo das Billy News do mês www.billy-news.blogspot.com/ )
E ainda nesta edição:
Paredes de Coura + Interpol + Korn + 36 Crazyfists + Parkway Drive + fitacola + Tat + Social Distortion + Before he Thorn + Guns n' Roses + Infectd Fest + The Skrotes + Steven Seagal + Konad + Mais Uma Queda + Gazua + Opn Chest + PHT + Rattle Snake + Auschwitz + Emir Kuturica+ Against Me + The Dixie Boys + Metal GDL
Para começar bem a semana aqui fica a divertida curta-metragem Lisbon Calling, da autoria de Anna da Palma, a talentosa realizadora cinematográfica portuguesa (e alentejana) a viver em França desde os 12 anos.
O curto filme de 6 minutos e meio narra com muito humor o encontro de uma jovem luso-descendente com o rock português dos anos 80...
Fica também o link para uma interessante entrevista com a autora/realizadora, disponível no site "Rua de Baixo", em que Anna nos fala da sua formação académica, do seu percurso profissional, da sua paixão pelo cinema, da sua experiência de vida entre duas culturas (a francesa e a portuguesa) e da importância que a música assume nos seus filmes...
Já em posts anteriores exprimi a minha opinião sobre os festivais, e sobre a (hiper)comodificação da cultura e da música para as 'massas'. Por convicção, e também devido a uma ligeira agorafobia que se tem vindo a acentuar, decidi não ir a nenhum dos 'grandes' festivais de verão, por muito imperdíveis que fossem em termos de cartaz. E o primeiro dia do Alive era para mim particularmente apelativo, principalmente (mas não só) devido aos cabeças de cartaz, Faith No More...
Foi por isso com um misto de sensações contraditórias, entre a incredulidade, alegria, e revolta (mais uma vez) perante a privatização da cultura, que assisti, extasiada, à brilhante actuação desta banda transmitida em directo pelo canal de TV privado SIC Radical no conforto da minha sala ...
Dei por mim às voltas com a ideia postulada pelo sociólogo/filósofo/teórico cultural Jean Baudrillard, da qual sempre discordei (pelo cariz alienatório que encerra), de que na sociedade hipermediatizada de hoje o virtual, a representação do real (o simulacro) é preferida/sobrepõe-se ao próprio real...
Ontem à noite, contudo, não pude deixar de comparar a experiência real do Alive 2009, com o pó, os encontrões, a visibilidade quase nula, e o trauma da saída, apertada durante quase uma hora no meio de milhares de pessoas, com a assistência televisionada de ontem, onde pude acompanhar à lupa não só a prestação absolutamente electrizante deste colectivo, como (especialmente) a entrega, versatilidade, irreverência, dramatismo e expressividade quase lunáticos, em suma, o incrível talento, de Mike Patton. Pela primeira vez coloquei a hipótese de Baudrillard afinal ter razão...
Ficam excertos e os links para duas reviews do concerto, assim como para duas entrevistas interessantes com Patton.
"(...) um concerto dos Faith No More é muito mais do que o constatar da óbvia qualidade musical do grupo. É quase uma experiência religiosa, mesmo que a fé, tal como nos diz a banda, já não tenha nada que ver com isto há muito tempo. No centro do turbilhão está o profeta-mor, Mike Patton, performer que se entrega em palco como se este fosse o último concerto da sua vida. É na voz deste quarentão bem apessoado, e ainda com pulmões do tamanho do mundo, que se reflecte a amplitude estilística do grupo. Uma viagem à velocidade da luz entre a soul e o metal, entre o hip hop e o hard rock. E como se não bastasse, o humor sempre no limite e em português, junto a um certo mau feitio irresistível, que esta noite teve como ponto máximo o momento em que decidiu fazer crowd surfing nas primeiras filas e quase ficou sem um sapato. «Mal educados», foi a resposta. Gritos, palmas e o sapato devolvido, a recompensa."
Review de IOL Música, com vídeo do concerto: clicar aqui.
"ST: Finally, if you died today how would you like to be remembered?
MP: Honestly, I don't care if I'm remembered or not. I don't much think about the past or look to far into the future. That kind of thinking is for old people or sleepers. I'm more fired up and focused on right now.
But of course, I hope I died in a very cool way, like overdosing on cow semen, which would be a good way to be remembered."
Finalmente, a testemunhar a versatilidade e qualidade vocal de Patton, fica o vídeo de um tema que, apesar de pouco adequado a festivais, e que nem é um original da banda, podia muito bem ter sido interpretado ontem pelos Faith No More..."This Guy's in Love with You", da autoria de Burt Bacharach e originalmente interpretado por Herb Alpert em 1968.
"Isto não é um país, é um espaço de indignidade", afirmava Paulo Nozolino, o internacionalmente reputado fotógrafo português, num artigo publicado no Expresso (Actual) em Janeiro de 2008.
Nozolino teve recentemente mais uma prova inequívoca desta sua acertada convicção: depois de ter sido agraciado com o Prémio 2009 para as Artes Visuais pela Associação Internacional de Críticos de Arte e pelo Ministério da Cultura (um prémio monetário no valor de 10.000 euros), foi-lhe solicitado que preenchesse uma nota de honorários (como se não tivesse recebido um prémio, mas prestado um serviço ao estado português), e que fizesse prova da regularidade da sua situação contributiva e tributária (Segurança Social e Finanças). Foi ainda informado que 10% do valor do prémio seria objecto de dedução fiscal (IRS).
Após ter conhecimento disto, Nozolino devolveu o prémio e insurgiu-se violentamente contra o sucedido:
"Se tivesse sido informado do presente envenenado em que tudo isto consiste não teria aceite passar por esta charada.Nunca, em todos os prémios que recebi, privados ou públicos, no país ou no estrangeiro, senti esta desconfiança e mesquinhez. É a primeira vez que sinto a burocracia e a avidez da parte de quem pretende premiar Arte. Não vou permitir ser aproveitado por um Ministério da Cultura ao qual nunca pedi nada. Recuso a penhora do meu nome e obra com estas perversas condições. Devolvo o diploma à AICA, rejeito o dinheiro do Estado e exijo não constar do historial deste prémio."
(Para ver o comunicado de Nozolino na íntegra clicar aqui).
Há algo de profundamente tragicómico (mais trágico do que cómico, na verdade) em mais este triste e aparentemente surreal (mas muito real) acontecimento da actualidade recente nacional.
Ao ler esta notícia na imprensa, notando o modo fino e sub-reptício como o autor do artigo vai tentando descredibilizar a atitude do fotógrafo, lembro-me e vou procurar, numa gaveta atafulhada de papel, o excelente texto sobre Nozolino, publicada na separata Actual (Expresso) em Janeiro de 2008 (da autoria de Alexandra Carita). O artigo está disponível aqui.
É com interesse que descubro (porque na verdade se o li, já o tinha esquecido) o modo como Nozolino testemunhou a explosão punk na Inglaterra de 1976:
"Londres, Verão de 1976. Inglaterra atravessa um período de pobreza enorme. Durante seis meses, a cidade explode. É a revolução punk. Paulo Nozolino estuda no London College of Printing, ao mesmo tempo que divide casa com Sid Vicious, dos Sex Pistols, entre muitos outros ícones da década. Recorda o concerto dos Ramones, nesse mesmo ano, recorda a euforia de fazer parte da «energia eléctrica que estava no ar». Pára para pensar e conclui que viveu no lugar certo no momento certo e com a idade certa. A experiência marcou-o para a vida inteira. «Foi uma influência que começou por ser postura, transformou-se em atitude e agora faz parte da minha maneira de ser mais intrínseca», conta, sem deixar de frisar o lema da revolução punk: «Foda-se o sistema!»"
O texto levou-me à revisitação possível desse primeiro concerto mítico dos Ramones em Londres, em 4 de Julho de 1976...
Contudo, o 'incidente' recente do prémio atribuído - e rejeitado - por Nozolino, e do que ele significa em termos do modo como o estado português trata os artistas/produtores culturais nacionais (vivos/activos), trouxe-me à memória outro 'incidente', indelevelmente ligado ao tema "Kaga na Cultura" dos saudosos e inesquecíveis Censurados.
Tal como nos contam Augusto Figueira e Renato Conteiro no imperdível livro Censurados Até Morrer!, no início de 1992 a banda tem a oportunidade de representar Portugal no festival Printempts de Bourges (França) e solicita o necessário apoio financeiro à Secretaria de Estado da Cultura (SEC). O SEC recusou este apoio com a desculpa de que "Os Censurados não precisam de apoio, é um projecto que já tem pernas para andar " (p.110), tendo no entanto subsidiado a deslocação dos Madredeus, que também participavam no evento a convite da organização. Tal como Orlando Cohen e João Ribas referem, a partir de então começaram a dedicar a música "Kaga na Cultura" à SEC nos concertos.
Não admira por isso que a cultura continue a ser vista, mesmo para aqueles que teimam em fazer e a ser cultura nestas condições (sem que disso tenham consciência), como um universo distante, bafiento, sensaborão e pouco recomendável...e quem os pode culpar?
"Daqui a 500 anos
Também podes ser cultura
Seres falado por toda a parte
Fazerem-te homenagens
Meia dúzia de doutores
Dizem que foste um génio
Mas a ti já nada te interessa
Porque nessa altura já estás morto"
(Censurados "Kaga na Cultura")
Talvez assim se compreenda a razão pela qual Nozolino pretende que todo o seu trabalho seja queimado após a sua morte, afirmando "A minha história, ou sou eu que a faço ou niguém a fará".
"Music's ability to articulate unspoken desires is an idea, I am sure, that is not alien to any of us. When our own words fail, music, be it Beethoven, rock'n'roll, punk, acid house or dubstep, steps in to speak for us. And while I believe this continues for the length of our lives, it is especially true when we are young, in the years when we hope to live as passionately as the music we listen to."
Laura Barton, colunista do jornal britânico The Guardian, descreve assim este poder extraordinário que reconhecemos na música: o de exprimir ideias que por vezes temos dificuldade em articular, que nos movem, com que nos identificamos, que nos transformam, ou que tão simplesmente iluminam os nossos dias...
Fica o link para um excelente artigo que revisita o brilhante livro de E M Forster A Room with a View, adaptado para o cinema por James Ivory, invocando a passagem em que a heroína do romance, Lucy Honeychurch, tenta, sem sucesso, descrever o poder extraordinário da música:
"'Music––' said Lucy, as if attempting some generality. She could not complete it, and looked out absently upon Italy in the wet."
Fica também um interessante excerto do filme, que inclui a conversa de Lucy com o reverendo Mr Beebe, sobre o efeito pernicioso que a mãe da heroína acredita que a música de Beethoven tem sobre ela...
Quem, como o A Crack in the Cloud, esteve na passada quinta-feira no Music Box pôde testemunhar que o monstro de facto acordou, está bem vivo, ataca, contra-ataca e não deixa ninguém indiferente.
Os Punk Sinatra ofereceram uma prestação verdadeiramente estonteante, de cortar a respiração, que revelou – em todo o seu esplendor – não só a qualidade do seu álbum de originais, Ataca Contrataca O Monstro Acordou, mas também a coesão e elevado nível da performance colectiva.
Antecipados de uma animada Billy session e também das óptimas prestações de Brent e Dalmation, percebeu-se desde o primeiro minuto que nada nos podia ter preparado para o estava para vir…
Numa entrevista recente, os Punk Sinatra descreveram a sua música como “abrasiva”. Abrasivo e inflamado foi também o espectáculo que a banda proporcionou anteontem no Music Box, com a apresentação dos excelentes temas que compõem este Ataca Contrataca o Monstro Acordou, disponível integral e gratuitamente no site da banda no myspace, dos quais destacamos, por pura preferência pessoal, os contagiantes “Andas por Aí” e “Anti Anti”, os poderosíssimos “Estado de Sítio”, “Caminhar para o Zero” e “3º Mundo” ou o vertiginoso “Espírit’ de Subúrbio”.
De destacar ainda a prestação quase inenarrável, mas indiscutivelmente brilhante, de João Pedro Almendra, vocalista dos Punk Sinatra (e também dos Peste & Sida). Fiel à sua convicção de que "o punk é levantar a voz", mais uma vez mostrou bem o monstro (de palco) que é, de uma intensidade dramática e uma entrega incondicional, ímpares no panorama nacional e raras na cena internacional, vagamente reminiscentes da expressividade de Jello Biafra ou da sensualidade felínica de Iggy Pop.
(Punk Sinatra no DI Box, Arruda dos Vinhos, em 21/05
Num país onde o trabalho é desprezado, desvalorizado e escandalosamente mal pago (já não há de facto paciência!), é de facto admirável que músicos (e tantos outros profissionais) como os Punk Sinatra persistam em produzir com este elevado nível e qualidade.
Contudo, e sem dúvida paradoxalmente, a música dos Punk Sinatra (assim como de bandas congéneres) resulta exactamente da vivência neste atoleiro que Portugal historicamente tem sido (e permanece) e num mundo contemporâneo inequivocamente marcado por uma regressão civilizacional, consequência directa e inevitável de um sistema económico essencialmente canibalístico.
“Não queremos mais heróis/Já não temos ilusões” (…) “Devemos obediência à burla e à fraude” (…) Quem paga o preço desta recessão / são aqueles que não ganham para o pão”
(“Mundo Rafeiro”)
É esta consciência exacerbada da contemporaneidade, o desencanto, a frustração, mas principalmente o inconformismo e a revolta perante o que os próprios designam como “Estado de Sítio” que estão impressas na música abrasiva, nas letras corrosivas e nas prestações inflamadas e marcantes dos Punk Sinatra.
"Não te iludas/há que respeitar/há que marcar pela diferença/e há que parar para pensar"
(Anti Anti)
Podemos estar a caminhar para o zero mas, com a sua música, os Punk Sinatra contrariam inquestionavelmente essa tendência. "Será que vês o que eu vejo?" perguntam-nos em "Nunca há Paciência". Sim, vemos, e isso faz com que melhor apreciemos este trabalho e o seu projecto, não apenas em termos musicais mas conceptuais.
"Hi, it's Deb. You know, when I woke up this morning I had a realization about myself. I was always Blondie. People always called me Blondie, ever since I was a little kid.(...)"
(Debbie Harry, in No Exit Tour Book)
As propriedades rejuvenescedoras da música são incontestáveis, pelo menos no caso de Harry, que comemora hoje mais um aniversário. Nascida a 1 de Julho de 1945, a música e actriz desmente a letra da sua canção "die young, stay pretty"...
Frequentadora assídua do Max Kansas City e do CBGB, a sua banda, Blondie, está indelevelmente associada à cena punk americana dos 70, e Harry rapidamente se tornou um ícone punk.
Em jeito de homenagem, ficam três vídeos: "Hanging on the Telephone" (recentemente reinterpretada pelos Def Leppard no álbum Yeah!), "Standing in my Way" (com Joey Ramone) e "Well Did You Evah" (com Iggy Pop).