21 fevereiro 2010

O Projecto Revolta

Este post inclui o vídeo "Nuclear Não" dos Revolta (ao vivo).


Volvido quase um ano do lançamento de Ninguém Manda em Ti, o 1º LP dos Revolta, e não obstante a existência de excelentes e mais atempadas análises/reviews do álbum, não resisto a deter-me neste que é sem dúvida não só um dos trabalhos mais interessantes de 2009 como (principalmente) um dos projectos musicais mais entusiasmantes da actualidade.

Unanimemente aclamados pela crítica, reconhecidos como fiéis depositários e prossecutores da música e do espírito punk nacional da década 80, os Revolta constituem não só uma lufada de ar fresco (e uma promessa de futuro) na cena musical portuguesa mas também mais um indício de uma importante mudança que parece estar a fermentar não só na música (com bandas como Gazua ou Dalai Lume) como na sociedade portuguesa actuais, e que poucas palavras exprimirão tão bem como aquela que este power trio escolheu para si: Revolta.

Num texto recente (no blog Ruído Alternativo), Carlos Montês descreveu, de forma perfeita, a essência de Ninguém Manda em Ti: “Os Revolta (…) exprimem muito bem em onze faixas do que o punk deve ser feito: mensagem crítica, solos rápidos e muita velocidade. Curto e grosso.”

O principal elemento distintivo do álbum e do projecto Revolta no seio do punk actual é, na minha opinião, a mensagem. O punk é, na sua essência, curto e rápido, mas nem sempre a sonoridade, por muito espectacular que seja, é provida de conteúdo. Outras vezes é superficial, limitando-se a debitar chavões já gastos e confortavelmente descomprometidos, como “Que se lixe tudo” ou “Estou-me a borrifar (com os respectivos f*s e c*s, claro). Sem negar a postura desafiadora e irreverente punk (bem patente na imagem de apresentação da banda), os Revolta destacam-se inegavelmente pela substância, densidade e solidez do projecto e da sua música.

Numa excelente entrevista a um jornal nacional, António Côrte-Real (guitarra e voz) rejeita as categorizações musicais tradicionais (rock/punk/punk rock), preferindo enfatizar o cariz deliberadamente interventivo da música dos Revolta e as motivações iminentemente sociais e políticas que levaram à formação da banda em 2006 e que continuam a justificar o projecto: “A conjuntura política e social que vivíamos na altura e que com o passar dos anos em vez de melhorar só tem piorado (…)”.

E é com agradável surpresa que vemos o jovem Côrte-Real concretizar, nesta entrevista, o significado desta sua afirmação, enumerando com incrível perspicácia e sem papas na língua alguns dos principais problemas sociais da sociedade portuguesa actual: a alienação operada pelas indústrias de entretenimento, e que afectam particularmente os jovens, cada vez mais acríticos e afastados da realidade económica e política em que vivem (e que irá condicionar e coarctar todas as suas possibilidades de vida), a disfunção e o descrédito de instituições/sectores fulcrais da vida nacional (como o judicial e o político); a falência dos sectores produtivos nacionais continuamente hipotecados pelos nossos governantes à CEE (como já em 1981 os GNR sarcasticamente previam). A este propósito, António afirma:

“É uma vergonha! Repare-se que os nossos políticos assinaram acordos de cotas para a produção nacional e depois passam os dias a dizer na televisão que o problema de Portugal é não produzir nada! Produzir o quê e como, se naquilo que temos de bom e sabemos fazer não nos deixam produzir em excesso para podermos exportar…Há pescadores felizes em Portugal? E agricultores? Aliás, há alguma classe de trabalhadores neste país, sem ser a classe dirigente, feliz?”

Mas os Revolta não limitam o seu olhar crítico ao contexto nacional, apontando baterias à  principal raison d'être dos problemas económicos, sociais e ambientais da actualidade: o capitalismo, particularmente na sua mais recente e arrasadora variante neoliberal. Na entrevista mencionada, António Côrte-Real critica, por exemplo, a indústria musical que controla e limita o sistema a um “grupo instituído”, dificultando a afirmação de bandas novas (e alternativas?).

A realidade confirma-o: o facto de muito do que de melhor que se faz neste momento em Portugal ser produzido pelas próprias bandas (ou por pequenas produtoras/editoras), e circunscrever-se a um circuito alternativo que sobrevive à custa de muita “carolice” (e com a ajuda das novas redes sociais myspace, facebook, etc.), ilustra bem o carácter elitista e quase hermeticamente fechado de uma indústria musical (discográfica e media) que, cada vez mais concentrada, apoia, fabrica, e impõe sonoridades anestesiantes e conteúdos inócuos num mercado cada vez mais controlado e dominado exclusivamente por imperativos económicos: leia-se, a maximização do lucro.

O guitarrista dos Revolta insurge-se também contra o poder das grandes multinacionais e o controlo que exercem sobre as vidas e os destinos individuais e colectivos. Esta é de facto, a meu ver, uma questão fulcral que cada um de nós se deve colocar: como é que – individual e colectivamente – continuamos a pactuar com um sistema que em vez de servir o bem comum explora e destrói a maioria em benefício de uma cada vez mais diminuta elite global? Como é que nos iludimos com a falácia de uma pseudo-democracia onde liberdade e igualdade de oportunidades são pura demagogia? O facto da entrevista a António Côrte-Real figurar no jornal O Crime não deixa de ser ilustrativa da sociedade em que vivemos e da persistente neutralização e descredibilização do alternativo ou do oposicional  emergentes (por mais ténues que sejam). A entrevista encontra-se disponível no blog Billy-News, em

O trabalho dos Revolta, Ninguém Manda em Ti, será objecto de um próximo post. Por agora, e poucos dias depois de Barack Obama ter anunciado a construção de uma nova central nuclear nos EUA (a primeira em 30 anos), como uma medida positiva e com o pretexto de minorar o problema do desemprego que, como sabemos (e ele também), não é conjuntural mas estrutural, aqui fica um vislumbre deste excelente trabalho: o vídeo de “Nuclear Não”, faixa nº 5 e um dos singles de avanço do álbum, lançado em parceria com o partido ecologista “Os Verdes” em Março de 2009.

1 comentário:

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    Completíssima reportagem, parabéns!

    E assim se dá a conhecer novos e entusiasmantes projectos...

    Para info actualizada dos Revolta, espreitem em...

    http://www.myspace.com/revoltarock

    Continua esta excelente divulgação!


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