06 janeiro 2011

Psycho Killer ou o efeito multiplicador do consumo cultural


(Capa do single Psycho Killer dos Talking Heads - 1977)


No livro Living on Thin Air: The New Economy, Charles Leadbeater estabelece uma comparação interessante entre a comercialização / o consumo de um bolo de chocolate e a de uma receita de um bolo de chocolate para explicitar uma característica que distingue os bens culturais - o conhecimento - dos produtos tangíveis (bolos, automóveis, aparelhagens de som, etc.).

Segundo ele, enquanto que o consumo de um destes produtos impede que o mesmo esteja disponível para outros, o conhecimento, pelo contrário, não se esgota no consumo mas é disseminado e expandido através dele. Um bem cultural é repetidamente consumido sem que se esgote ou deixe de ser propriedade do seu autor; por outro lado, o seu consumo implica um processo de interpretação (de acção) - que é sempre pessoal e único - por parte de quem o recebe.

Se a partir desta interpretação ocorrer a reprodução do produto, esta reprodução muito dificilmente corresponderá exactamente ao original, mas conterá nuances e elementos adicionais resultantes da experiência, influências, capacidades (etc.) deste receptor/transmissor. Neste processo de transmissão do conhecimento é o próprio conhecimento que evolui, que se expande e se modifica - algo que o escritor Umberto Eco descreve como "a poética da obra (de arte) aberta".

A música é sem dúvida um bom exemplo disto...basta pensarmos em como determinados elementos de géneros e sub-géneros foram sendo apropriados e modificados, de forma que a própria música se foi continuamente expandindo e modificando...

A interpretação de determinadas músicas que por uma razão ou por outra resistem ao esquecimento da história são outro bom exemplo desta característica distintiva dos bens culturais. O exemplo escolhido é o de Psycho Killer, o clássico dos Talking Heads, lançado pela primeira vez em 1977 (apesar de pertencer na verdade à anterior banda de Byrne e Frantz, os Artistics, extinta em 1974).

O tema, escrito por David Byrne e Tina Weymouth (baixista dos TH), descreve os pensamentos e as sensações de um serial killer cuja auto-imagem de refinamento e sofisticação o levam a  pensar e a falar consigo próprio numa língua estrangeira (francês).

Apesar da fraca performance ao nível dos tops de vendas, a música atingiu uma enorme notoriedade radiofónica e é hoje considerada um clássico do rock. A provar a sua contínua popularidade estão as várias e muito diferentes versões recentes do tema, apropriado, interpretado e reproduzido de acordo com as características individuais dos seus autores e dos géneros musicais em que se movimentam (desde o canto lírico de Kate Miller-Heidke ao psycobilly dos brasileiros Elektrobillys)

Recomendamos, por pura preferência pessoal, as versões dos Cage the Elephant (excelente) e dos Elektrobillys (ver em baixo).

Fica ainda o link para um artigo detalhado sobre o tema na revista musical Mix, aqui, assim como duas versões ao vivo do original.

Talking Heads, ao vivo no CBGB (1975)



Talking Heads ao vivo no programa televisivo Old Grey Whistle Test da BBC (1978)



Velvet Revolver, ao vivo no Rock Am Ring (2007)




Cage the Elephant (jam session durante um ensaio de uma actuação televisiva em Londres)




The Ukelele Orchestra of Great Britain (ao vivo, BBC Proms, Londres)




Dilana Robichaux (no reality-show americano "Rockstar Supernova")




Elektrobillys, ao vivo no Pyscho Carnival, Curitiba (Brazil) (2005)



Kate Miller-Heidke, ao vivo no programa televisivo australiano Spicks and Specks (2007)

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