O A Crack in the Cloud esteve no último sábado na Fnac do Algarve Shopping (Guia - Albufeira) para assistir à actuação dos Gazua, em formato showcase, naquele espaço.
Foi uma experiência interessante e sem dúvida diferente dos concertos a que temos assistido desta que é, sem dúvida (não nos cansamos de o repetir), uma das bandas rock/punk pock mais interessantes e profícuas do panorama nacional actual.
O concerto teve início por volta das 17 horas e uma duração de aproximadamente 40 minutos. Apesar do lançamento do último trabalho Contracultura (2010) ter dado o mote a esta performance, os Gazua optaram (e a nosso ver muito bem) por percorrer a sua discografia, dando a conhecer a este público indiferenciado e fortuito uma espécie de 'best of' condensado (se é que é legítimo colocar as coisas nestes termos, dada a quantidade de temas fortes que os três trabalhos da banda contêm...).
Foram por isso 8 os temas seleccionados e apresentados, num ritmo ligeiramente mais lento e contido (como as características do espaço e do formato o exigiam), mas com a habitual energia e rigor: "Mil Dedos" (do primeiro trabalho, Convocação), "Reescrever a História", "Para Todos", "Ela Era Agonia", "Eu Ouvi Falar de Ti" e "Valsa dos Venerados" do segundo trabalho, Música Pirata (2009), e "Preocupa-te" e "Casa dos Fantasmas" do mais recente Contracultura (2010).
O espaço esteve sempre bastante composto, e muitos foram os transeuntes que se detiveram a assistir à actuação dos Gazua, que cumpriram sem dúvida da melhor forma o propósito de divulgação do seu trabalho.
Depois da Fnac, era tempo de rumar a Portimão, para mais um concerto da mini-tour que os Gazua estão a realizar, muito bem acompanhados pelos Asfixia e pelo DJ Billy (e com passagem por Beja já no próximo dia 26 de Fevereiro).
Não pudemos deixar de reflectir sobre a ironia da situação: ouvir a música de intervenção dos Gazua, e a crítica vincada patente no refrão de "Para Todos" a reverberar por este outlet de uma empresa multinacional cujos lucros se situaram acima dos 4 milhões de euros em 2009, e que é detida por um grande grupo económico (PPR), cuja estratégia de maximização de lucro passa por uma diversificação de ramos de actividade e investimento: para além da Fnac, o grupo é proprietário de empresas/marcas tão diferentes como a Gucci e a Puma.
Bem ciente de que o lucro depende (do volume) do consumo num mundo hipercomoditizado onde a panóplia de produtos disponíveis não tem provavelmente precedentes históricos, a Fnac tem uma estratégia de negócio bastante aguerrida que passa pela quantidade e qualidade da oferta, por uma estratégia de branding assente na sofisticação, fiabilidade e no serviço personalizado, apostando também fortemente na divulgação e promoção cultural diversificada e não exclusivamente mainstream. Ou seja, a Fnac, assim como muitas outras empresas, está bem ciente da necessidade de cobrir (quase) todo o espectro da produção (neste caso cultural), não deixando escapar o potencial de lucro inerente à comercialização da produção alternativa e inovadora.
Torna-se também interessante atentarmos em como algumas destas estratégias - agora prosseguidas com objectivos iminentemente comerciais (capitalistas) - estiveram subjacentes à fundação da empresa na década de 1950, com propósitos bem diferentes. André Essel e Max Théret, pertencentes ao movimento político de Jovens Socialistas francês, criaram em 1953 a Fédération nationale d’achats des cadres (ou seja FNAC)com o objectivo principal de fornecer produtos culturais a preços muito acessíveis aos trabalhadores, aumentando assim o seu poder de compra (ou seja, o acesso aos bens culturais).
Podemos talvez vislumbrar alguns ecos destas ideias transgressoras e contrárias ao espírito capitalista dominante em algumas acções da Fnac, tais como o combate à iliteracia ou o "Manifesto pela Diversidade Musical", lançado em França em 2002? Pode ser que sim, mas reservamo-nos o direito de duvidar, e de perspectivar estas e outras acções no âmbito das complexas estratégias de branding envolvidas na promoção desta e de outras empresas junto daqueles que as sustentam...ou seja nós, os consumidores, cada vez mais ávidos (e ainda bem) dos chamados bens ou produtos culturais...só é pena que estes estejam cada vez mais acessíveis apenas àqueles que ainda têm emprego e algum poder de compra (ou seja, a um número cada vez mais reduzido). A cultura não é mesmo (ainda) para todos.
Apesar de conscientes da complexidade e das múltiplas contradições inerentes ao magnífico novo mundo do capitalismo globalizado e neoliberal, foi muito bom vermos os Gazua na Fnac, e só faltou mesmo ouvir "Queremos a Música de Volta".
Fica o vídeo do excelente "Reescrever a História".
Muito bom teres abordado o assunto da Fnac. E tens razão cultura nesta fase que vivemos..."Nicles".
ResponderEliminarAss.: Vanda